Lembro-me de um grande pedagogo inteligente e sincero, em uma dessas reuniões de professores, defendendo a diversidade, a diferença e o entendimento do outro na sala de aula. Discutíamos essa coisa de encontrar o aluno e o professor ideal e, com galhardia, a fala mansa do professor ecoou no ar: “a sala de aula é, por natureza, uma microcena do mundo da vida, é boa a existência da diferença na sala de aula”. Ao dizer isso, apareciam em minha mente os belos escritos do filósofo John Dewey (1859-1952), do pouco conhecido médico e intelectual Ivan Illich (1926-2002) e do grande educador Paulo Freire (1921-1997). Quanta sabedoria nas palavras do meu amigo. Pensemos um pouco sobre essa diversidade no campo da educação, notadamente no que se refere aos principais personagens, coadjuvantes e protagonistas da sala de aula.
Em primeiro lugar, falemos dos alunos. Diletantes e ansiosos, é comum meninos e meninas nas faculdades, universidades e escolas chegarem confusos, medrosos, cheios de vida (ou de morte), arrogantes e, nos tempos de hoje, deseducados, desatentos, analfabetos na educação informal – e até perigosos. Em geral, a primeira ação dos docentes é tentar salvá-los. De quê? Dificilmente saberemos. Os calouros são o exemplo da diversidade existente no mundo, da diferença que nos escapa da percepção e do mundo hostil e pouco camarada que está se formando. Falta pouco para o sociólogo Zigmunt Bauman escrever um livro acerca da “educação líquida”. "Como tudo que é sólido se desmancha no ar" (Marx e Engels, in O Manifesto do Partido Comunista), o calouro aos poucos vai se “despersonalizando”, se formatando, tornando-se um de nós; muitas vezes um bom aluno, um bom garoto, um excelente estudante. É claro que se pode esperar o contrário. Mas não temos controle; até lá muitos alunos já discutiram, desistiram, cansaram, guardaram mágoas, lágrimas, repetiram inúmeras provas, foram colocados para fora de sala de aula, foram “desleais” com o professor (sem nenhuma legitimidade) na avaliação, fizeram carta anônima, furaram pneus, mandaram e-mails desaforados e namoraram o mesmo montante que mataram aula. Essa é a diversidade. Esses são os problemas que pais, diretores e professores querem resolvidos. Impossível, haja vista que, diante da pedagogia da homogeneidade, é melhor mandar os discentes para um quartel, para fábricas, manicômios ou conventos, mas certamente o inferno seria melhor.
E não paramos por aí. É curioso como boa parte dos pedagogos insiste na existência de uma sociedade perfeita – logo, com alunos e professores perfeitos. É nesse campo que surgem os maiores e os menores problemas. Fatos simples se transformam em fontes de sofrimento, perversidade, sadismo e muita crueldade. O desejo da homogeneidade em sala de aula é uma utopia. Somos diferentes e ponto final. Ainda bem.
Quanto aos professores, o raciocínio é o mesmo. Por paradoxal que possa parecer, tanto os alunos como a direção de várias instituições de ensino desejam docentes iguais e perfeitos, que pensem homogeneamente, que sigam a mesma cartilha, o mesmo caminho ou – utilizando-se de eufemismo – a mesma pedagogia. Mais um engano: por natureza, e desculpe a repetição, homens e mulheres são diferentes. Todavia, na tentativa de manutenção da atenção discente, não são poucos os professores que já se transformaram em verdadeiros atores, palhaços, bobos da corte. Uma aluna chegou a me pedir para dançar em frente ao quadro: “Faça algo diferente aí, dance...”. Nas salas de aula, principalmente nas de cursinho, estão faltando somente bateria, pandeiro, guitarra e outras coisas mais, haja vista que o violão (nada contra o casamento entre a arte da música e a escola) e o celular que toca musiquinha já são coisa de "velhos tempos".
Tal como na vida, cumpre aos alunos aprender a lidar com a autoridade e a legitimidade conquistada pelos professores. Na sala de aula, o mundo da vida se revela em toda a sua potência, obviamente com algumas diferenças, como a carteira, o necessário (e por vezes obrigatório) silêncio e a espera das matérias e das sofridas avaliações. É bom deixar para outro momento as relações que se forjam entre alunos e professores, mas cumpre frisar que as instituições de ensino precisam entender que os docentes são iguais na diferença, e é nessa ideia que se encontra a maravilha da pedagogia. Neste caso, é óbvio e bom que tenhamos docentes chatos, severos, mansos, amigos, inimigos, desorganizados, organizados, gordos, negros, brancos, pardos, magros, “boa pinta”, “feios”, os velhos, os jovens, os que gostam da diversão e os que a odeiam. Também professores que não gostam de alunos, outros que amam. Alguns viram amigos, outros inimigos. No mundo dos homens e mulheres, as relações sociais gritam alto e mostram a face da necessária tolerância e do entendimento dos comportamentos. Não se deve esperar um corpo docente como no exército. Como disse, o inferno seria melhor.
Também não é possível uma política educacional como a do MEC, que deseja que os docentes de faculdades e universidades sejam avaliados pelos mesmos parâmetros e critérios – critérios passíveis de críticas e feitos ao longo do campo da experiência. Em geral, tais empreendimentos são elaborados por técnicos ávidos de dinheiro e prestígio, verdadeiros gurus que, na maioria das vezes, sequer enfrentaram salas de aula com 80, 90 ou 120 alunos. Essa é a dura e crua realidade. O problema político e, por ressonância, pedagógico é que, se continuarmos no caminho proposto por tais sábios, que apostam na quantidade a despeito da qualidade, vamos produzir muitos problemas a curto ou médio prazo.
Já são sabidas as investidas enfurecidas de alunos contra professores, ameaças, gritos, dedos em riste e tudo mais. E o mesmo de docentes que perseguem estudantes. Das duas uma: ou todos estão cegos ou não desejam enxergar. Aos poucos estamos ficando doentes, violentos, agressivos e perigosos. Uma bomba está se forjando, e poucos querem desmontá-la. O porquê dificilmente vamos ficar sabendo. Enquanto isso, lida-se com as consequências, e são dados (tanto para alunos como para professores) remédios, comportamentos desviantes, bares e bebidas, religiosidade cega, antidepressivos e outras drogas, no intuito de acalmar o dragão da intolerância e do medo, revestido em doenças cardiovasculares, depressão, tédio, dívidas, problemas no trabalho, na família, perda de valores, culto à violência, crimes e a banalização do que há muito se chamou educação.
Diante do quadro exposto, sugiro a simplicidade, o respeito e a autenticidade dos indivíduos. E que, no começar da aula, diante do quadro, protagonistas e coadjuvantes se coloquem no seu devido lugar.